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A DOMINAÇÃO ROMANA (63 a.E.C. - 37 E.C.)


"A César o que é de César." 

   
    Quando a rainha Salomé morreu, em 67 a.E.C., houve disputa entre seus dois filhos. Hircano II, o mais velho, que fora sumo-sacerdote durante o reinado de sua mãe assumiu o trono, mas Aristóbulo, seu irmão, já chefiava, no entanto um exército contra Jerusalém. Não eram apenas as ambições pessoais dos irmãos que estavam em jogo. Novamente, fariseus e saduceus colocavam-se uns contra os outros. O desorganizado exército de Hircano II, formado por fariseus, rendeu-se. Então, sem ter o que fazer, o irmão mais velho abdicou do trono em favor do mais novo. Juraram paz e amizade eternas, mas a semente da discórdia já havia sido plantada.

    Vivia, em Jerusalém, nessa época, um homem chamado Antipater, um Idumeu. Os idumeus¹ haviam sido convertidos à força por Hircano I, rei da Judéia, quando os exércitos de Judá invadiram a Iduméia para assegurar sua lealdade. Sua população tornou-se, surpreendentemente, fiel seguidora do judaísmo. Antipater era um nobre ambicioso. Viu na situação dos filhos de Salomé um meio para ganhar poder. Convenceu Hircano II a, ajudado pelos árabes nabateus (comprados com suborno), atacar Jerusalém e recuperar o trono.

    Nesta época, Roma havia se tornado o poder dominante no mundo. Estava em plena expansão, no final do período da República. Os três membros do triunvirato competiam para conquistar territórios e, assim, conquistar popularidade e, por conseqüência, poder. Pompeu, um dos triúnviros, governador da parte Oriental do Império, havia anexado a Síria e ficou sabendo das intrigas na Judéia. Decidiu intervir. Ofereceu-se para mediar a disputa.

    Pompeu decidiu favorecer hircano². Na verdade, o poder se concentrava em Antipater. Este governava a Judéia (anexada à Síria) e dois de seus filhos, Fasael e Herodes, eram governadores locais, de Jerusalém e da Galiléia, respectivamente.

    Os anos sob dominação romana sempre foram períodos de muita intriga, incluindo, rebeliões, guerras civis, assassinatos e tudo mais. Depois de muita política e intriga Antipater foi assassinado, Antígono, filho de Aristóbulo, fez com que Fasael se suicidasse, impediu³ Hircano de ser sumo-sacerdote e o deixou com os persas, assumiu o trono, revelou-se incapaz de governar, a Judéia foi invadida por Herodes (proclamado rei pelo Senado romano), Jerusalém foi sitiada por três meses e Herodes tornou-se, finalmente, rei da Judéia.

    Herodes governava com mão de ferro. Mandou matar Aristóbulo e Hircano. Mandou matar sua mulher. Matou três filhos. Logo no início do reinado, matou quarenta saduceus para eliminar a oposição e financiar seu exército de mercenários(4). Herodes tirou todo o poder do Sinédrio, transformando fariseus e saduceus em grupos religiosos apenas. Isso fez com que surgisse mais oposição. Criaram-se organizações secretas que planejavam rebelar-se, que mais tarde se transformariam nos zelotes.

    Herodes considerava-se judeu, mas era um grande helenista. Construiu templos pagãos, anfiteatros, colaborou com os jogos olímpicos, fez renascer cidades, etc. A maior parte de suas obras foi realizada na parte pagã de seus territórios. Na parte judaica, tentou introduzir o helenismo aos poucos. Erigiu um hipódromo e um teatro. Herodes fez também, coisas boas para os judeus. Obteve de Augusto, o imperador de Roma, o direito de intervir a favor dos judeus em qualquer lugar dentro do império e empreendeu uma grande obra de embelezamento do Templo, mas, no final, mandou pôr uma águia dourada na porta. Os judeus ficaram furiosos e tentaram derrubar a águia. Os soldados interferiram e prenderam cerca de quarenta deles. Herodes mandou queimá-los vivos.

    Herodes, o Grande. Era assim que todos os povos, menos os judeus da Judéia o chamavam. Estimulara o comércio, desenvolvera os portos, enriquecera a Judéia e as nações vizinhas, construiu muitos templos e teatros, mas os judeus chamavam-no Herodes, o Perverso. Não surpreende, pois os judeus teriam odiado qualquer governante que não pregasse oposição aberta a Roma. Além disso, Herodes matara, torturara e prendera muita gente. O povo judeu era muito difícil de governar, seus valores eram muito diferentes daqueles que imperavam em Roma e na Grécia. Assim como a tentativa de helenização falhara durante o período selêucida, estava fadada a falhar novamente. Outro fato que contribui para que os judeus odiassem Herodes era o fato de que ele favorecia os pagãos na luta econômica entre judeus e os outros povos. Enquanto os pagãos prosperavam, os judeus ficavam cada vez mais miseráveis.

    Depois da morte de Herodes, sucedeu-lhe Arquelau, que foi destituído depois de dez anos. A Judéia passou a ser governada por procuradores vindos diretamente de Roma.

    A Judéia da época era uma região em processo de empobrecimento. Sua população havia aumentado muito, mas sua extensão territorial não aumentara tanto. O problema é que a maioria da população era camponesa. Trabalhavam em pequenas propriedades de terra, de onde mal podiam cultivar para subsistência. Quando se perdia a plantação, o agricultor pedia dinheiro emprestado ao vizinho rico. Caso não pudesse pagar, migrava para as cidades em busca de trabalho. Desse modo, as terras, o dinheiro e a produção concentravam-se e, nas cidades, criava-se um exército de desempregados. Nesse momento os judeus iniciaram-se no comércio. Não tinham muito interesse nesta ocupação, exceto durante o governo dos hasmoneus. Agora, por necessidade, reiniciavam-se nela, vendo que os pagãos ficavam com todo o lucro das exportações da Judéia.

    Numa cidade, no entanto, havia intenso comércio judaico. Estima-se que, nesta época, Jerusalém tivesse uma população de quase um milhão de habitantes. Quando ocorriam as festas e os peregrinos vinham sacrificar no Templo, esta população aumentava muito. A cidade continha a corte e era o centro da vida judaica, por isso podia oferecer todo tipo de artigo luxuoso. Lá ocorria a política. Lá estava o Templo. O Beit HaMikdash necessitava de muita mão-de-obra, era o maior empregador e quem melhor pagava seus funcionários. Era nos pátios do Templo que ocorria a feira, lá se discutia a religião. Era o centro da vida judaica no mundo.

    Em Jerusalém encontrava-se o Grande Sinédrio (ou Sinédrio Nacional), formado por setenta anciãos mais o sumo-sacerdote. Depois que Herodes retirou seu poder, o Sanhedrim julgava apenas casos civis e religiosos. Qualquer caso que parecesse ser político era julgado pelos romanos. Nas cidades pequenas, no entanto, o Sinédrio era composto por vinte e três membros e tinha mais autonomia.



    Com a perda de poder, os anciãos do Sinédrio tornaram-se educadores ao invés de políticos e o povo passou a amá-los mais. Da mesma maneira o sumo sacerdote perdeu poder. Não era mais o regente supremo como na época dos hasmoneus, era um magistrado nomeado pelos procuradores romanos. Estes distribuíam o cargo a quem pagasse mais. De 37 a.E.C até 70 E.C. houve vinte oito homens no cargo. É uma média inferior a um sumo-sacerdote a cada quatro anos, embora a tradição judaica dite que este cargo é vitalício. Esta corrupção denegriu a imagem dos sacerdotes do Templo e prepararia terreno para acontecimentos não muito distantes.
 



   1 Algumas correntes de pensamento mais conservadoras consideram que o governo cruel de Herodes (um idumeu) tenha sido um castigo de Deus pela conversão forçada dos idumeus.
   2 Hircano II foi nomeado-o etnarca (regente de um povo), não rei. Para fragmentar sua autoridade, foram nomeados, também, tetrarcas (duques) em algumas regiões
   3 Antígono cortou o lóbulo da orelha de Hircano, pois, de acordo com a tradição judaica, um homem fisicamente mutilado não pode ser sumo sacerdote
   4 O exército com que Herodes se cercava era constituído por judeus da Diáspora, pois ele não confiava nos habitantes da Judéia.