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FILANTROPIA II (séculos XIX e XX)


"Meu filho eu perdi, mas não meu herdeiro; a humanidade é minha herdeira" 
Maurice de Hirsch 

   
    No século XIX, a situação dos judeus da Europa Oriental era extremamente ruim. Viviam sob uma série de restrições que os impedia de receber educação superior, trabalhar no comércio, de entrar em algumas cidades (como Kiev, Sebastopol...), estavam confinados a uma parte do Império Russo conhecida como “O Pale”, que compreendia a Ucrânia, Lituânia, Letônia e Bielorrússia, pagavam impostos dobrados e eram, freqüentemente, alvo de pogroms. Eram muito pobres¹ e viviam em seus pequenos vilarejos, os shtetls.

    A primeira esperança de uma melhora social e econômica que surgiu para eles foi, um pouco antes do sionismo, a filantropia. Alguns judeus da Europa Ocidental tinham enriquecido o suficiente para poder prestar àqueles que não tinham quase nenhuma riqueza. Estes judeus tinham nomes como Rothschild, Montefiore e Hirsch.

    Estes foram os mais reconhecidos dos filantropos europeus. Certamente houve outros, cuja obra não se deve desprezar, como Adolphe Crémieux, que, em 1860, criou a Alliance Israélite Universelle, uma organização que tinha por objetivo proteger os direitos humanos dos judeus nos locais onde eles viviam. Ela foi criada com os ideais de auto-defesa e auto-suficiência através da educação e desenvolvimento profissional. Fundou várias escolas que transmitiam uma educação moderna no padrão francês. Muitas existem até hoje na Europa, em Israel e nos países muçulmanos. Em Israel estas escolas passaram para o controle do Ministério da Educação. A Alliance existe até hoje e continua a financiar projetos.

    Sir Moses Montefiore nasceu em Livorno, na Itália e viveu em Londres. Ocupou um cargo político na administração desta cidade e foi feito ‘Sir’ pela rainha Vitória, que também lhe conferiu o título de Baronete². Também atuou como financista e capitalista, tendo investido em vários negócios muito lucrativos. Nascido em 1784 e morrido só 101 anos depois, teve muito tempo para se dedicar a filantropia, visto que se aposentou dos negócios aos 40 anos de idade.

    Montefiore visitou os governantes da Rússia, do Marrocos e da Romênia para pedir que parassem as perseguições aos judeus. Visitou³ 7 vezes a Terra de Israel e ajudou a comprar terras lá e desenvolver o yishuv. No bairro Yemin Moshe, na Jerusalém de hoje, vemos os moinho Montefiore, construído com sua ajuda. Outro bairro, Mishkenot Sha’ananim, também foi erguido com sua ajuda. Foi também um ativista da abolição da escravatura.

    A famosa família Rothschild, espalhada pela Europa, também foi uma grande doadora para aliviar a situação dos judeus no mundo. Seus membros foram reconhecidos como grandes banqueiros e possuidores de enormes fortunas. Parte da qual foi aplicada em filantropia. Muitos assentamentos foram formados em Israel sob os auspícios dos Rothschilds. Foi para um membro dessa família que foi escrita a Declaração Balfour, onde o Ministro do Exterior britânico dizia que a Inglaterra via com bons olhos a criação de um lar judaico na Palestina.

    Desses, o que teve a maior conexão com os judeus da Europa Oriental foi o barão Maurice de Hirsch. Nascido na Alemanha, numa família de banqueiros, recebeu instrução em hebraico. Também teve sucesso estrondoso em seus investimentos e pôde investir muito dinheiro em várias obras, como a criação de um fundo de ajuda a imigrantes nos Estados Unidos e no Canadá, uma fundação educacional na Galícia (parte da Polônia). Hirsch doou uma grande soma de dinheiro para a criação de escolas pela Alliance Israélite Universelle e se engajou em muitas obras de caridade locais, como distribuição de roupas, sopa e estabelecimento de alojamentos para os pobres. Muito dinheiro foi doado para hospitais. Hirsch gostava das corridas de cavalos e todos os lucros obtidos por seus animais eram destinados à filantropia. Ele dizia que seus cavalos corriam por caridade. Sua esposa, Clara de Hirsch, participou ativamente destas ações e doou muito de seu dinheiro também.

    Talvez sua maior obra tenha sido a Jewish Colonization Association, chamada ICA em ídishe. Esta organização comprava terras em muitos lugares do mundo e nestes locais estabelecia comunidades agrícolas povoadas por judeus vindos da Europa Oriental. O lugar em que esta colonização foi mais ativa foi a América do Sul, especialmente a Argentina e o Brasil. Hoje em dia, a maior parte dos fundos da ICA é destinada a projetos agrícolas em Israel.

    Mesmo que a situação dos judeus não tenha sido resolvida com a obra dos filantropos ela foi ao menos amenizada e muitos puderam ter uma vida melhor, fugindo de situações adversas.



   1 No shtetl, os judeus chamavam a si mesmos de Luftmenschen - "Homens do Ar", viviam de ar, pois tinham muito pouca comida. 
   2 É um título entre o de knight (cavaleiro) e de baron (barão). 
   3 Depois da primeira vez que visitou Israel, Montefiore tornou-se muito religioso.