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O MANDATO BRITÂNICO NA PALESTINA


"A Palestina é o cimento que une o mundo árabe, ou ela é o explosivo que o manda pelos ares." 
Yasser Arafat

 
   A situação na região da Palestina se alteraria profundamente após a explosão da Primeira Guerra Mundial (1914-18). Aos ingleses interessava destruir de vez o Império Otomano e fariam de tudo para consegui-lo, principalmente obter apoio das regiões próximas. A Grã-Bretanha então ofereceu aos lideres sionistas a criação de um “lar nacional judaico” na Palestina, após a guerra. A contrapartida seria a pressão da influente comunidade judaica norte-americana para que o Tio Sam (EUA) entrasse na guerra. O que terminou acontecendo em 1917 e, de fato, decidiu a vitória a favor da Entente¹.

 

    Os ingleses também pensavam que essa oferta – que ficou conhecida como Declaração Balfour – convenceria a numerosa comunidade judaica da Rússia a apoiar as potências européias em sua luta contra a revolução bolchevique, liderada por Lênin e Trotsky, vitoriosa no final de 1917.

 

    Em 1917, em carta enviada ao Lorde Rotschild, o Ministro das Relações Exteriores da Inglaterra, Arthur Balfour, declarou que a Inglaterra via com bons olhos a criação de um Estado Judeu no território da Palestina, de acordo com as aspirações sionistas.

 

    Na carta, Balfour pedia que Rotschild repassasse as informações para as lideranças da Organização Sionista Mundial e ressaltava que tal declaração, bem como suas conseqüências, não deveria afetar civil ou religiosamente os demais povos presentes na Palestina, nem tampouco os judeus presentes nas demais partes do mundo (note-se que ocorreu exatamente o contrário).

 

    Os Estados Unidos apoiaram a Declaração Balfour, reafirmando as ressalvas feitas pelo Ministro inglês. A partir daí, cresceu o número de judeus imigrantes em Israel, o que, obviamente, desgostou os palestinos.

 

    Entre 1922 e 1931, a população judaica na Palestina passaria de 11% para 17,7% do total.

 

    Pode-se confiar em promessas feitas no calor da batalha? O xerife Hussein deve ter-se perguntado isso muitas vezes. Só no final da 1a Guerra eles souberam que, desde abril de 1916, um tratado secreto dividira o Oriente Médio turco entre as potências da Entente. O acordo Sykes-Picot originalmente repartia a região entre França, Grã-Bretanha e Rússia. Com a vitória da Revolução bolchevique de 1917 e a conseqüente saída dos russos da guerra, o acordo terminou concedendo aos franceses o mandato sobre os atuais Síria e Líbano. Palestina, Transjordânia e Iraque ficaram com os ingleses.    

 

    Mas onde estava o “grande Estado árabe” prometido ao xerife Hussein (os britânicos haviam assinado o tratado Hussein-McMahon, onde prometiam um estado árabe independente)? Ele se restringia a árida e atrasada península Arábica (não se conheciam ainda as grandes reservas de petróleo adormecidas por lá). Mas o Estado judaico na Palestina continuava valendo. Os líderes nacionalistas árabes ficaram furiosos.

 

    A arrogância colonialista inglesa, que simplesmente desconhecia tribos, etnias e religiões ao definir novas fronteiras do Oriente Médio, enfureceu muitos líderes árabes. O historiador israelense de origem iraquiana Avi Shlaim diria que “a destruição do Império Otomano não foi seguida por uma nova ordem e sim por uma nova desordem”.

 

    A sensação de terem sido traídos fez com que os principais dirigentes árabes da Palestina convocassem uma rebelião antibritânica, em 1921. Antibritânica e antijudaica também, já que os colonos judeus e o Estado de Israel passavam a ser vistos como aliados do colonialismo. À frente do movimento estava o mufti(líder religioso muçulmano) Hadj-Amin el-Husseini(1893-1973). O mufti lideraria novas revoltas em 1929, quando 133 judeus foram massacrados em Jerusalem e dezenas na cidade de Hebron, e em 1936.

 

    O rancor árabe levou importantes setores do nacionalismo a se identificarem com os recém-nascidos fascismo e nazismo na Europa. O próprio mufti foi preso pelas forças britânicas na Palestina e teve dissolvido seu Supremo Comitê Árabe, entre outras razões, devido à simpatia para com o nazi-fascismo europeu. O mufti seria um dos mais fervorosos adeptos do golpe militar de 1941 no Iraque, que instalou por algumas semanas um governo pró-Alemanha nazista. Durante a 2a Guerra Mundial, o mufti apoiaria os esforços do líder nazista Henrich Himmler para criar uma divisão muçulmana da SS – a tropa de elite de Hitler – composta principalmente por soldados da Bósnia-Herzegovina, então Iugoslávia.

 

    Para defender-se do levante árabe e continuar a política de colonização judaica na Palestina, os sionistas criaram em 1920 a Haganá(Organização de Autodefesa), que contava com uma certa simpatia dos britânicos, mais preocupados com o perigo de um movimento árabe pela independência, sob o comando do mufti.

 

    Mas não eram só os lideres nacionalistas árabes que se sentiram traídos pelas mentiras dos britânicos. Setores do sionismo também consideravam que a Grã-Bretanha havia prometido a mesma terra a dois povos diferentes. Para essas facções da extrema-direita, o inimigo principal eram os ingleses.

 

    Os dois principais grupos ultra-direitistas eram o Irgun Tzvai Leumi(Organização Militar Nacional), liderado por Menachem Begin e o Lechi, de Avraham Stern, que morreu em 1942, em um choque com a policia britânica.

 

    O grupo mais radical, o Lehi, chegou a negociar com os fascistas e nazistas, esperando que estes expulsassem os britânicos da Palestina. Em troca, ofereciam ajuda no combate aos ingleses e a formação de um governo totalitário em Israel. Isto, felizmente, não se concretizou.

 

    Em 1946, uma ação combinada entre o Irgun e o Lechi fez voar pelos ares o quartel-general britânico no Hotel King David, em Jerusalém. Mais de cem pessoas morreram.

 

    Se o conjunto dos sionistas tinha resistência a conviver com a população palestina, a extrema-direita judaica defendia a pura e simples expulsão dos árabes junto com os ingleses. A ação de Begin e Stern, claro, só acirrou as tensões entre judeus e árabes na Palestina.

 

    Em meio à tempestade criada por sua própria política colonial, a Grã-Bretanha fazia de tudo para manter-se relativamente eqüidistante das duas comunidades e assim tocar adiante o mandato na Palestina. Em 1937, a Comissão Peel, formada pelos britânicos, concluiu que os judeus e árabes jamais viveriam em paz e recomendou a partilha da Palestina em dois territórios.

 

    A maior parte dos lideres sionistas tendia a aceitar a oferta, porque isso significaria ter um território, fosse qual fosse o tamanho, pela primeira vez em dois milênios. Um Estado que pudesse receber as levas de imigrantes judeus submetidos à perseguição nazista na Europa.

 

    Mas a liderança árabe não admitia a partilha. Queria toda a Palestina. E pressionou os britânicos a emitirem sucessivos Livros Brancos (White Papers), documentos que limitavam a colonização judaica. O primeiro White Paper, nos anos 20, proibiu a instalação de colônias judaicas na Transjordânia. A aproximação da Segunda Guerra (que fazia prever uma imensa demanda por petróleo) levou à publicação de um novo Livro Branco, em 1939, que restringia a venda de terras a judeus e limitava em 75 mil o numero de judeus imigrantes autorizados a instalar-se na Palestina nos anos seguintes. De acordo com o documento, o território deveria ganhar sua autonomia em 1949, com um só governo, de maioria árabe.

 

    Não deu tempo. Em 39 explodia a 2ª Guerra Mundial. E o cenário do Oriente Médio passaria por modificações drásticas.


    1 A Entente Cordiale, foi formada, inicialmente, por França e Inglaterra para fazer frente à Alemanha. A Rússia juntou-se a essa aliança quando estourou a guerra. Os Estados Unidos lutaram deste lado também.