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TALMUD


Mais de um século após os rabinos de Israel terem editado suas discussões da Mishná e criado o Talmud de Jerusalém, alguns líderes rabínicos babilônicos organizaram uma compilação própria de suas discussões, que já existiam há mais de três séculos. Consequentemente, a parte da Babilônia é muito mais extensa e, diz-se ainda, mais completa que a parte de Jerusalém (e também por conter informações referentes à vida na Diáspora, que seriam relevantes para os judeus dali em diante).

    O Talmud Bavli foi transmitido oralmente durante séculos antes de sua compilação por estudiosos judeus da Babilônia. Em 586 a.C. houve o chamado exílio da Babilônia e a comunidade judaica teve um período de ascensão. A maior parte dos prisioneiros nunca voltou para casa e muitos viveram lá até a época da Babilônia Talmúdica. Com as migrações e o crescimento das populações, com uma comunidade muito forte, já não era necessário para os estudiosos viajar até Israel para regulamentar e autenticar as tradições locais.

    O Talmud Babilônico se apresenta como uma compilação da Mishná e da Guemará Babilônica (representando o culminar de mais de trezentos anos de análise da Mishná nas Academias da Babilônia). As bases para este processo foram estabelecidas, principalmente, por discípulos do Rabi Judá ha-Nasi. A tradição atribui a compilação do Talmud da Babilônia, na forma como é conhecido hoje, a dois sábios: Rav Ashi e Ravina. Ashi teria iniciado a compilação e, logo após, Ravina teria completado seu trabalho, dando conclusão ao Talmud. A questão de quando a Gemara foi finalmente colocada em sua forma atual não é resolvida entre os estudiosos modernos. Alguns, como Louis Jacobs, argumentam que o corpo principal da Gemara não é simples reportagem de conversas, uma vez que pretende ser mais uma estrutura muito elaborada.

    Há diferenças significativas entre as duas compilações do Talmud. A linguagem do Talmud Jerusalém, aramaico, é um dialeto que difere do da Babilônia. O Talmud Yerushalmi é muitas vezes fragmentado e de difícil leitura, até para os experientes estudiosos do Talmud. A escrita do Talmud Bavli, por outro lado, é mais cuidadosa e precisa. A lei, tal como previsto, nas duas compilações é basicamente semelhante, exceto em pequenos detalhes. O Talmud Jerusalém não tem recebido muita atenção por parte dos comentadores, tal como existem comentários tradicionais para o Talmud Bavli.

    O Talmud Jerusalém nunca foi concluído, devido ao trabalho que foi abruptamente interrompido em 425 d.C. No entanto na versão Babilônica, a Gemara existe apenas para 37 dos 63 tratados da Mishnah: a maior parte das leis a partir de Ordens Zeraim (leis agrícolas limitam-se à terra de Israel) e Toharot (ritual de pureza e leis relacionadas com o Templo e ao sistema de sacrificios) tiveram pouca relevância prática na Babilônia e, consequentemente, não foram incluídos. O Yerushalmi, pelo contrário, abrange todas as tratados de Zeraim, no caso.

    Os registros do Talmud da Babilónia também contém os pareceres das gerações mais recentes devido à sua data de conclusão. Por estes motivos, é considerado como uma compilação mais completa dos pareceres disponíveis. A influência do Bavli foi muito maior do que a do Yerushalmi. No essencial, porque a edição da Babilónia foi superior à da versão Jerusalém, tornando-a mais acessível e facilmente utilizável. De acordo com Maimônides, todas as comunidades judaicas aceitaram formalmente o Talmud Babilônico como vinculado a si próprios.

    A questão do estudo do Talmud merece destaque. Existe um método especial para estudá-lo, que, sinteticamente apresenta três partes: Estuda-se com mais alguém, nunca sozinho; Sistema de Coleguismo (Chavrutá), estudando-se em um grupo e discutindo o que está escrito; Respeito pelo estudo, para que se lembre de que o Talmud é muito mais que leis, mas sim um livro judaico, um estudo da própria Torá, merecendo o devido respeito.

    Existe uma metodologia para estudar o Talmud, chamada Daf Yomi, proposta pelo Rabino Meir Shapiro no Primeiro Congresso Mundial do Agudat Israel Mundial, em Viena, em 1923. Este rabino propôs que a cada dia, em todo mundo, a partir do primeiro dia de 5684 (1923 no calendário gregoriano), fosse estudada uma folha (daf) (frente e verso) do Talmud (a mesma). Como o talmud contém 2711 dapim (folhas), o ciclo demora em torno de 7 anos e 5 meses, ao cabo dos quais se celebra o término do estudo. O próximo círculo se completará em 2 de Agosto de 2012. Existe outro programa semelhante que contempla o estudo de uma página (Amud) por dia. Alguns dias são reservados para revisão ou recuperação e, dessa maneira, o Talmud é completado em pouco menos de 20 anos.

    Vale ressaltar a importância do Talmud num sentido menos amplo e mais prático. Além das leis e ordens, nele estão contidos diversos Tratados, Hagadot e Halachót. As Halachót são leis, tais como: não tocar o shofar no Shabat, por medo de se carregar o shofar entre casa e a sinagoga e, portanto, realizar uma atividade proibida no shabat.

    As Hagadot são histórias que ilustram algum ensinamento profundo e que, em primeira instância parecem impossíveis ou milagrosas. Não existe uma posição de consenso sobre a natureza das Hagadót, mas muitos dizem que parte das Hagadot tem a intenção de atuar como parábolas. Uma Hagadá muito conhecida trata da disputa entre as escolas de Shammai e Hilel, que é resolvida através da intervenção de uma voz divina (Bat Kol), que declara que ambas são as palavras do D’eus vivo, mas que a Halachá é de acordo com a escola de Hilel.

    Dessa forma, grande parte das práticas religiosas está relacionada com este livro. Para exemplificar isto podemos citar as chamadas perguntas de Pessach:

    - As Quatro Perguntas: Foram inseridas quatro perguntas na Hagadá que nós conhecemos hoje para ressaltar o número quatro. Quatro perguntas aparecem na Mishná, mas elas diferem em parte de nossas perguntas: matzá, maror, o cordeiro e imersão (Tratado de Pessachim, Talmud Bavli).

    - Os Quatro Filhos: Os quatro filhos que aparecem na Hagadá representam quatro tipos principais de personalidades, que seriam a de um homem sábio, de um homem mau, de um homem simples e de um homem que não sabe perguntar. O sábio se relaciona com as leis de Pessach para aprendê-las; o mau está distante da comunidade judaica e desrespeita as leis de Pessach; o simples deseja apenas saber o que é especial sobre Pessach; e o nosso dever é explicar e interpretar para aquele que não saiba perguntar.

    Assim sendo, afirmamos em uma prece que celebra o término de um tratado do Talmud: “A ti voltaremos e tu retornarás a nós; os nossos pensamentos estão fixados em ti, assim como os teus estão fixos em nós; não te esqueceremos assim como tu não nos esquecerás - nem neste mundo, nem no Mundo Vindouro!” – Isto se explica porque os sábios talmúdicos e mestres revelam que o estudo da Torá serve como um escudo para a alma humana, protegendo-a após a vida. Mesmo que uma pessoa esqueça a sabedoria da Torá que adquiriu, sua alma irá transportar o conhecimento para toda a eternidade.

    A título de curiosidade, dentre os diversos tratados que estão contidos na Torá Oral, existe um em especial que é muito interessante. De acordo com o Talmud (Tratado Berachot, pg. 59b), a cada 28 anos o sol completa um ciclo e volta ao lugar que ocupava quando foi criado por D'us, no quarto “dia da Criação”. Neste dia recita-se a Bênção do Sol: "Baruch Ata Ado-nai Elo-hei-nu Melech HaOlam Ossê Maassê Bereshit". ("Bendito és Tu, Senhor nosso D'us, que renova os atos da Criação".) A recitação dessa bênção é uma das mitzvot mais raras de ser cumpridas, já que ocorre somente a cada 28 anos.