Artigos

RABI SHIMON BAR YOCHAI


Em uma narrativa do Talmud, Rabi Akiva, ao ordenar seus dois alunos mais destacados, o Rabi Meir Baal Ha'Ness - Mestre dos Milagres - e o Rabi Shimon Bar Yochai, assim se teria expressado: 'Deixa que primeiro se sente Rabi Meir'. Empalidecendo, Rabi Shimon ouviu o mestre, Rabi Akiva, que continuando, lhe confidenciava: "Basta que o Criador e eu tenhamos consciência de teu poder".

    A história nos ensina que o mérito de Rabi Shimon era tão extraordinário que somente D'us e seu mestre podiam apreciá-lo, inteiramente. Rashbi (uma sigla tirada das iniciais de seu nome - Rabi Shimon Bar Yochai), viveu durante o segundo século da Era Comum. Assim como seu mestre, Rabi Akiva, em uma época de grandes perseguições romanas.

    Ele era conhecido como um grande “fazedor de maravilhas” ou de milagres, pois era convocado pelos judeus para essas ocasiões. Por isso os líderes judeus o enviaram a Roma (apesar do ódio que ele nutria pelos romanos pelo mal que faziam ao povo judeu). Foi a Roma com a missão de convencer o imperador romano a retirar a lei que proibia a prática da religião judaica. Essa história é contada no Talmud e diz que, ao chegar à casa do imperador, sua filha, possuída por um demônio dizia que o único homem que poderia exorcizá-la era Rabi Shimon Bar Yochai, e, assim, o místico judeu conseguiu e a lei foi retirada.

    Porém, o ódio que Rashbi tinha pelos romanos era imutável e, ele não fazia questão de disfarçar. No ano de 149 da E.C., ele ouvia um colega judeu louvar as conquistas romanas e, com seu ódio estampado reagiu: "tudo o que haviam feito de bom tinha sido em seu próprio benefício, além de motivados por propósitos imorais". A discussão dos dois chegou aos ouvidos das autoridades romanas, que decretaram que ele fosse morto.

    Então, Rabi e seu filho, Rabi Elazar, fugiram e se esconderam em uma caverna. Lá permaneceram durante treze anos, estudando, noite e dia, a Torá. Sustentaram-se, dentro da caverna, do fruto de uma alfarrobeira e da água de uma fonte, surgida do nada. Dizem que durante os anos em que viveram na caverna, - tendo o estudo da Torá como única ocupação - foram visitados pelas almas de Moisés e do profeta Eliahu, que lhes transmitiram os segredos místicos mais profundos do universo. E essa riqueza de conhecimentos foi transcrita tornando-se o Zohar - a obra na qual se fundamenta a Cabala.

    Depois dos treze anos escondidos, morre o governador romano, levando consigo o decreto de morte de Rashbi. Diz o Talmud que quando os dois saem da caverna pela primeira vez, se deparam com um homem que arava e semeava a terra. Rashbi e seu filho, que tinham se devotado totalmente e exclusivamente ao estudo da Torá durante treze anos já não compreendiam como um judeu usava seu tempo a uma ocupação mundana qualquer e não à oração e o estudo da Lei. Encararam o homem com desagrado e de seus olhos se projeta um raio de fogo que o queima. E então, dos Céus lhes chega uma Voz: "Para destruir o Meu mundo saístes da reclusão?" E a Voz lhes ordenou voltar ao isolamento da caverna. Tendo lá permanecido por mais um ano, imersos no estudo. Quando então, saem pela segunda e última vez da caverna, pai e filho se arrependeram, ao constatar que os judeus de Israel se ocupavam do cumprimento dos sagrados Mandamentos Divinos. E já não incomodava a Rashbi que a maioria dos judeus se ocupassem de atividades mundanas e disse a Elazar, seu filho, que o que ambos estudaram da Torá bastava para sustentar o mundo. Rabi Shimon agora estava em busca de maneiras de retificar o mundo; não de condená-lo.

    Rabi Shimon, após seu longo confinamento, saiu espiritualmente mais sábio e mais poderoso do que nunca. Reuniu então seu filho, seu genro e os discípulos mais próximos, para lhes revelar os segredos da Cabala que ele próprio recebera durante os treze anos em que estivera recluso. Esses grandes mistérios e revelações sobre o processo da Criação, sobre o relacionamento de D'us com nossa existência e sobre a feitura da alma humana eram transmitidos oralmente, de geração em geração, pelos grandes líderes espirituais do povo judeu exclusivamente a seus pares. Mas, com Rabi Shimon, a Cabala começou a ser escrita, de forma sistemática, e divulgada pelo mundo. Foi então que ele recebeu o título de "pai" do misticismo judaico. Um de seus discípulos, Rabi Abba, seu escriba mais proeminente, foi quem redigiu o Sefer Ha'Zohar - "o Livro do Esplendor" – um livro imprescindível para os estudos cabalísticos.

O Zohar (por Revista Morashá)

    O Sefer ha'Zohar é um livro fechado e as chaves para sua compreensão permanecem em mãos de um número reduzido de sábios. Esta obra pode ser comparada a um sistema codificado, de extrema complexidade, que esconde tesouros inestimáveis. Rabi Shimon era um daqueles seres pertencentes a um plano espiritual tão elevado que, entre os que estudam a sua obra, são poucos os que conseguem assimilar parte de seus ensinamentos. Não obstante, mesmo com apenas um pouco desse conhecimento, constroem-se montanhas de sabedoria.

    Como vimos, para os não iniciados, o Zohar é misterioso e praticamente impenetrável. As dificuldades de compreensão estão presentes em quase todos os níveis da obra. Além da insondável profundidade de seus preceitos, seu estilo literário peculiar e sua dialética dificultam a compreensão. Seus textos, escritos em hebraico ou em aramaico antigo, estão "codificados", impossibilitando, assim, que pessoas leigas entendam seu significado. Imagens simbólicas são usadas no lugar de uma terminologia racional e tópicos independentes são tratados em conjunto, colocando lado a lado assuntos aparentemente sem relação entre si.

    Muitas das passagens do Zohar são compostas por combinações de alusões fragmentadas, que somente podem ser conectadas por associações secretas. Mas, na realidade, as conexões existem e são bastante claras para aqueles que entendem seu simbolismo e significado. Um sábio familiarizado com os segredos místicos da Torá entende perfeitamente seu conteúdo, seu estilo e sua estrutura aparentemente ilógica. Se para os não iniciados muitos de seus ensinamentos carecem de significado, estes mesmos preceitos são, para os que podem decifrá-los, a chave para desvendar os maiores e mais profundos segredos da existência e do universo.

    Apesar de terem sido traduzidos para o hebraico moderno e para outros idiomas, os verdadeiros ensinamentos do Sefer ha-Zohar continuam sendo praticamente incompreensíveis. Mesmo para a maioria dos eruditos na Torá, o Livro do Esplendor continua sendo um enigma. O Talmud e outras obras da lei judaica são acessíveis e compreensíveis; não apenas é permitido o seu estudo, como também é incentivado e é uma obrigação colocar-se em prática os seus ensinamentos. Já o Zohar continua além do alcance intelectual e espiritual da maioria dos judeus - pelo menos por enquanto. Grandes cabalistas sempre alertaram que o privilégio de estudar e entender esta obra era reservado para muito poucos.

    O cuidado e o resguardo em relação ao Zohar sempre foram impostos com o propósito de preservar não só a obra, mas também a alma daqueles que se aventurassem a estudá-la. Temia-se que seus ensinamentos e revelações pudessem ser mal interpretados ou usados de forma inadequada. Infelizmente, esses temores se confirmaram no decorrer da história. Houve vários casos de indivíduos e até mesmo de grupos que, após mergulharem nas águas do misticismo judaico sem o preparo adequado, acabaram por se perder. Ainda mais grave: seus ensinamentos místicos foram utilizados por falsos messias e distorcidos por místicos não-judeus e por adeptos da ciência do ocultismo. Os resultados foram catastróficos. Por isso, cabe alertar o leitor que o estudo do Zohar e da Cabalá somente deve ser conduzido na companhia de um professor que, além de instruído, tenha atingido um equilíbrio espiritual e mental; que entenda e siga a Lei Judaica em todos os seus minuciosos pormenores.

    O Zohar é fonte de inspiração e sabedoria para os iniciados que ousam adentrar seus segredos. Seus principais focos são a teosofia - a interação das sefirot e seus mistérios, a conduta humana e o destino dos judeus neste mundo bem como no mundo das almas. São raras as ocasiões em que discute de forma explícita a meditação ou a experiência mística.

Ao penetrar na superfície literal da Torá, O Livro do Esplendor revela as profundezas místicas de suas histórias, leis e segredos. Transforma a narrativa bíblica em uma "biografia de D'us". Toda a Torá é lida como permutações de Nomes Divinos. Cada uma de suas palavras ou de suas mitzvot simbolizam algum aspecto das sefirot - que representam as maneiras pelas quais D'us interage com Sua Criação. O Zohar revela que o real significado da Torá reside em sua parte oculta - chamada de nistar - e em seus segredos místicos.

    Mas esta obra grandiosa não trata apenas de assuntos esotéricos e místicos. Não há uma única preocupação sobre a existência humana que permaneça intocada em suas páginas. Apesar da aura de mistério que a cerca, muitos de seus ensinamentos têm servido de guia para várias gerações de judeus. De um lado, o Zohar se aprofunda nos maravilhosos mistérios da alma e do Criador; do outro, aborda assuntos como o poder do mal e a necromancia, proibida pelo judaísmo. Nele encontram-se visões da Redenção Messiânica, assim como soluções para as complexas relações entre seres humanos e os problemas de seu cotidiano.

    Alicerçado principalmente na Torá, o Zohar é uma obra imensa, dividida em três trabalhos principais que são, por sua vez, subdivididos em outros segmentos. Trata-se principalmente de uma exegese - uma dissertação de homilias - e suas idéias emergem através de comentários e discursos. Nele estão as interpretações místicas e os comentários das sidrot - as leituras semanais da Torá. A obra não se restringe aos Cinco Livros de Moisés; também aborda outros livros da Torá, inclusive o Cântico dos Cânticos, o Livro de Ruth e as Lamentações. Não cabe enfatizar em demasia que a Cabalá é a parte secreta da Torá e, portanto, não poderia ser estudada ou seguida à parte da Torá revelada. Acreditar ou estudar a Cabalá sem o respaldo da Torá Escrita e Oral é, no mínimo, incongruente, pois não há um único trabalho cabalístico que não contenha citações dos 24 livros da Torá Escrita, do Talmud e do Midrash.

    Assim como o Talmud, o Zohar cobre todas as manifestações do espírito judaico. Porém, enquanto o primeiro é essencialmente uma obra sobre a Lei Judaica, com pitadas de misticismo, o segundo é principalmente um trabalho místico que aborda e elabora sobre algumas leis do Torá. O Zohar descreve a realidade esotérica subjacente à experiência cotidiana. Nele, temas e histórias, tópicos legais e assuntos litúrgicos são vistos e expostos através de uma interpretação mística.